El Uruguay!

Para uma pessoa que, quando criança, foi criada como torcedor convicto da Sociedade Esportiva Palmeiras, hoje talvez não fosse o melhor dia para falar sobre o Uruguai nesse blog. Felizmente, em mais uma daquelas empatias sem muito sentido, sinto uma afinidade muito forte pelo nosso vizinho, afinidade esta que aumentou muito depois de ler certo trecho do livro A face oculta do terror de A. J. Langguth. Trata-se de um livro interessante, apesar da leitura um tanto quanto travada, escrita por esse jornalista estadunidense que, através da vida do policial Dan Mitrione, também nascido nos EUA e a serviço da CIA no Brasil e no Uruguai, conta a história da influência daquele país nos regimes autoritários e nas torturas praticadas na América Latina.


Em determinado trecho do livro Langguth contextualiza o Uruguai para seus leitores conterrâneos e, depois, descreve um pedaço da história desse país que eu desconhecia.

“Para cultivar o jardim dos uruguaios, o destino enviou um idealista chamado José Batlle y Ordoñez, jornalista que foi guindado ao poder em 1904, após uma cruenta guerra civil. Talvez por ter visto o Uruguai dividido, Batlle estava decidido a tratar o pequeno país como a uma única família, onde a classe trabalhadora ocuparia um dos lugares de honra à mesa.”

Junto com os imigrantes europeus que chegaram ao país naquela época, Batlle construiu um forte movimento trabalhista, baseando a economia do país não no capital estrangeiro, mas, como chamou o próprio autor, em um “estatismo benigno”. As companhias do estado tinham a função de fornecer serviços a preços baixos, pagar altos salários aos seus funcionários e jamais visar o lucro.

“Tentando sofrear a predileção latino-americana por ditadores, Batlle propôs uma executivo de nove membros – seis do partido da maioria e três da minoria. Essa idéia encontrou maior resistência que os seus planos para a educação universal, aposentadoria e assistência médica. Só em 1951 é que os uruguaios finalmente concordaram em ser governados por um executivo de nove cabeças.”

Contudo, ao que indica o livro, todas essas benfeitorias estavam ligadas a população urbana e, quando chegavam ao campo, não iam além dos trabalhadores envolvidos com criação de gado. Com os cortadores de cana esquecidos, acabou partindo deles um movimento de oposição ao governo, já na década de 60. Quando não foi ouvida, esse nicho populacional resolveu romper com o partido socialista e, de todo esse movimento, acabou surgindo os Tupamaros com o seguinte lema: “as palavras nos dividem, a ação no une!” Começou assim uma luta mais incisiva, com ares mais violentos, na busca de uma igualdade social.


O livro sugere, não diretamente, que justamente essa luta dos Tupamaros é que criou um contexto positivo para o autoritarismo no Uruguai onde, diferentemente de toda a América Latina, não se tratou de um governo militar. Em 1967 foi abandonado o sistema executivo de nove membros, elegeu-se um presidente que acabou falecendo em seguida, dando lugar para que o vice-presidente Jorge Pacheco Areco, ligar o alarme anticomunista e dar inicio a todo o processo da ditadura uruguaia.

Contudo, apesar de sugerir essa linha de pensamento, o próprio livro dá informações que me fizeram pensar por outro viés. Fala-se em corrupção, alta inflação, desemprego e dívida externa, problemas que indicam que o diferenciado (e louvável em sua teoria) sistema de governo não tinha dado conta de reduzir as diferenças no Uruguai. Por quê?

Apesar de correr o risco de estar falando besteira, visto que tive apenas uma fonte de pesquisa, me arrisco a fazer alguns apontamentos. Em primeiro lugar lembro-me da população campesina esquecida, obrigada a trabalhar mais de dezesseis horas por dia, muitas vezes expulsa de seus casebres pelos fazendeiros, e não tocada pela reforma educacional do país. O Uruguai era, e ainda é, quase todo urbano, mas não era todo. Economicamente era um país que vivia de uma única produção que era o gado. Impossível negar que, apesar de um grande mercado na Europa, a criação de bovinos não é um ramo que gera muitos empregos, ainda mais com o advento da criação intensiva e outras “modernidades” que estavam surgindo. Por fim, apesar de uma interessante maneira de se pensar um executivo, até que ponto existia uma real agregação de vários valores dentro do governo, visto que dois partidos estavam ali representados. Apesar de existirem ali nove cabeças, quantas delas estavam realmente ligadas ao movimento trabalhista de base, pelo menos à base urbana? Os Tupamaros não são os vilões de nada, são apenas mais um grito dos que estavam excluídos.

São muito poucas informações, é verdade, mas já é o suficiente para se pensar um pouco. Alguém que lê de forma desatenta o texto de Langguth pode interpretar como negativas tanto a tentativa de uma horizontalidade (ou pelo menos mais representatividade) no executivo, quanto a luta posterior dos Tupamaros, quando o governo não conseguiu suprir em 100% a necessidade do povo uruguaio. Vejo justamente de forma oposta. Meus olhos brilharam quando vi a iniciativa em detrimento a uma centralização de poder, e ainda mais a falta de aceitação quando essa situação já não contentava mais o povo. Acabei me interessando ainda mais por esse vizinho do sul e, se nada mais existisse no livro, já teria valido a leitura.


4 comentários:

Alberto Ferreira disse...

Cara, talvez vc já tenha lido, mas nunca é demais a dica do livro do uruguaio (que vc conhece pessoalmente, hahaha, um dia vou contar essa história) Eduardo Galeano: Futebol ao sol e à sombra.
A seleção de 50 era de trabalhadores, que alguns meses antes, haviam feito uma greve de fotebol, é mole?
No livro se lê nas entrelinhas um pouco da força das pessoas desse país.
um abraço.

ps: realmente escrevendo agora e lembrando que vc conheceu o Galeano, aquela história bem que poderia ter acontecido com vc mesmo.
beijão meu amigo, saudades das suas bobagens.

Filipe Ferrari disse...

Ou tu lê direito ou não comenta, hahahaha! Na verdade, o meu texto lá falava exatamente o que tu disse, mas não explicitamente... Concordo que instituições e religiões servem para dogmatizar e controlar, pois se esquecem da mensagem viva que Cristo trouxe...

To com preguiça de escrever mais, dá um outro post esse assunto, daí tenho que "guardar" as idéias, hehe...

E quanto ao Uruguai, não gosto muito não, fica muito perto de Pelotas, hahahahaha!

Abraços!

Anônimo disse...

Vamos as letras:

A) Como é possível a nossa formação em história e desconhecermos a história do Uruguai. Sendo de máximo de que temos informação – veja, nem ao menos problematizamos – é baseado na leitura do escritor Eduardo Galeano. Sabe, apontar a professora Gelta como a responsável não vale. Ainda mais que esse vazio da história dos países latino-americanos se passa (esse passa deveria ser passam?) em outras universidade e afins e confins.
B) Cada um é portador de uma história e logo de uma visão. Por conta disso, dá para engolir que os latino-americanos têm predileção aos ditadores militares? Eu nasci aqui e minha família deve ter origem portuguesa e espanhola logo sou latino e não tenho uma queda por ditadores seja de “esquerda” com o Castrismo ou de direita com todos os militares. Olha, o autor escreve “Tentando sofrear a predileção latino-americana por ditadores, Batlle propôs uma executivo de nove membros – seis do partido da maioria e três da minoria.” Bem, um cara manda e tem outros nove para assinar embaixo? Não conheço bem a história do Uruguai, mas lembrei a situação durante o AI-2 brasileiro e o bi-partidarismo. Finalizando, fico com o pensamento de que dizer que temos uma queda por ditadores é escamotear uma história diversificada de lutas por coisinhas simples como direitos humanos e até mesmo de projetos de transformação radical da sociedade.
C) Além do Galeano li alguma coisa sobre a FAU - http://www.nodo50.org/fau/ - organização política anarquista determinante para a formação de um novo olhar anarquista sobre a América Latina, inclusive apoiando os primeiros momentos da revolução cubana, fazendo parte da luta armada e afins.
D) Cara, queria tá com tesão de pegar os livros do galeano e pesquisar para te mandar e tbm queria mandar os arquivos da FAU, mas to com preguiça...isso incluí de revisar esse comentário.

Abraço
Maikon k
www.vivonacidade.blogspot.com

Douglas Neander disse...

“Tentando sofrear a predileção latino-americana por ditadores, Batlle propôs uma executivo de nove membros – seis do partido da maioria e três da minoria."

Realmente esse trecho não é muito feliz, e cheguei a pensar em discutir sobre isso, mas o texto já tava ficando enorme e acabei não comentando. Talvez tenha sido uma falha.

Não gosto dessa fala e, como já disse, não concordo com a visão geral do autor sobre muitas coisas, mas ainda sim recomendo a leitura do livro. :D