Esse ano tenho sido apresentado a novas e reapresentados a velhas leituras. Algumas tem realmente mexido com alguns pilares do meu humilde raciocínio e, desde que elas começaram, penso em reativar esse blog.
Enfim, não vou começar escrevendo nada meu. Vou reproduzir este trecho do lívro "Diferentes, desiguais e deconectados". Lindo:
“As três direções teóricas descritas nesses
capítulo propõem recursos conceituais que agora protagonizam a
atividade nas ciências sociais. Quem destacas as diferenças
(étnicas, nacionais ou de gênero) favorece projetos de autonomia
muito diversos, tais como a luta armada dos aimarás, que querem
converter a Bolívia na República de Qullasuyo, os zapatistas
mexicanos e movimentos análogos no Equador, Panamá, Peru ou
Guatemala, que buscam autogovernar suas comunidades para negocias
posições próprias respeitadas dentro das nações modernas. Em
outro registro sociopolítico, poderíamos acrescentar os governos
que assumem em alguma medida as diferenças e os interesses
nacionais, para promover projetos mais independentes de
desonvolevimento endógeno.
Este último conjunto poderia também
situar-se num segundo grupo, pois coloca no centro do projeto não a
diferença, mas a desigualdade.
Para quem governa a Argentina e o Brasil e promove o Mercosul, a
mola-mestra da mudança não está na diferença étnica ou nacional,
definida em termos identitários, mas na caracterização da
desigualdade interna e internacional como lago gerado por uma
história de trocas desiguais. Assumem como produto histórico a
assimetria produzida pelo capitalismo da primeira modernidade liberal
e se perguntam como superar o agravamento das desigualdades imposto
pela abertura irresponsável das economias nacionais, pela privação
de recursos econômicos, educativos e culturais, pela transferência
de riquezas das maiorias para elites financeiras improdutivas,
especuladores, nacionais e internacionais. Os setores tradicionais da
esquerda e do movimento nacional-populistas buscam a mobilização de
frentes populares (operários, desempregados, migrantes, indígenas,
associações de camponeses sem terra e moradores das cidades), com o
argumento de recuperar a capacidade nacional de gestão, melhorar a
distribuição da riqueza e conseguir posições mais justas nas
negociações globalizadores.
A terceira linha,
destacando o papel decisivo da tecnologia na recomposição
transnacional dos processos de trabalho, comércio e consumo, diz que
a mola-mestra – imprescindível – para desenvolver qualquer
programa eficaz reside na incorporação de amplos setores aos
avanços tecnológicos. Seu programa político busca renovar a
educação, atualizar o sistema produtivo e de serviços, mobilizar e
ampliar os recursos modernizadores. Há quem só queira associar as
elites aos movimentos empresariais transnacionais e há quem se
interrogue sobre o sentido social desta articulação interna e
globalizada.
Os três conjuntos de projetos
correspondem a temporalidades históricas distintas que coexistem na
América Latina. Não é muito consistente, na perspectiva da variada
e complexa relação de forças mundial, regional e de cada nação,
optar só pela diferença, só pela desigualdade ou só pela
desconexão como chave interpretativa e recurso mobilizador da
mudança sociopolítica. A pergunta sobre como combinar estes três
tipos de organização-segregação social pode gerar respostas
distintas em países com 50 a70% de população indígena (Bolívia,
Guatemala) e em sociedades com uma história secular mestiça e
moderna mais definida e com maior possibilidade de desenvolvimento
para inserir-se, com força econômica e de negociação política,
em redes e acordos internacionais. Mas em todos é difícil imaginar
algum tipo de transformação para um regime justo, sem promover
políticas (étnicas, de gênero, de regiões) que façam comunicar
os diferentes, corrijam as desigualdades (surgidas destas diferenças
e das outras distribuições desiguais de recursos) e conectem as
sociedades com a informação, com os repertórios culturais, de
saúde e bem-estar globalmente expandidos. Sabemos ainda pouco sobre
as maneiras eficientes de atuar de forma simultânea nestes três
cenários e sobre como se potencializam entre si. Mal estamos
comprovando os pobres resultados das concepções que desviaram a
teoria social, ao optar só por aquilo que podia afirmar as
diferenças, diminuir a desigualdade ou conectar-nos com as redes
estratégias.”
GARCIA
CANCLINI, Nestor. Diferentes,
desiguais e desconectados: mapas
da interculturalidade. Trad. Luis Sérgio Rodrigues. 3 ed. Rio de
Janeiro: Editora UFRJ, 2009. p. 100-102.
Um comentário:
bom, muito bom o trecho!
deverias pois voltar logo com o blogue!!
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