Complexidade

Tempos atrás li um texto de Milton Hatoum, disponível no Terra Magazine, que me tocou de uma maneira diferenciada. Hatoum conta do sentimento contraditório que ele teve ao ver, em 2002, Alfredo Stroessner idoso e em uma cadeira de rodas, as beiras do lago Paranoá. Nada melhor que transcrever algumas linhas para exemplificar a emoção que ele teve:

Senti um calafrio. Pensava que era apenas um lance de humor do meu amigo. Mas não. Ali estava ele, o personagem em carne e osso, um dos ditadores mais anguinários desta América.
Ele contemplava a água calma do lago, como se a superfície escura refletisse o passado glorioso do homem agora sentado, um passado encharcado de sangue e sofrimento. Sangue e sofrimento do povo paraguaio.


Durante alguns dias não consegui parar de refletir sobre isso. Não sou alguém com facilidade para expressar sentimentos e, em geral, sou levemente seco ao me relacionar com desconhecidos, mas, quando se trata de idoso isso muda. Fiquei pensando que, talvez, muitas vezes embaixo dos cabelos brancos que amoleciam meu coração, poderia haver um “sanguinário” tal como o ex-presidente paraguaio.

Dias atrás, voltando de Curitiba de ônibus, estava sentada na minha frente uma senhora que, com absoluta certeza, passava dos 70 anos de idade. Não conversei com ela durante a viagem, mas ela exalava um sorriso tão simpático quando entrou no transporte que me chamou atenção, porém o que ia me conquistar veio mais tarde.

Ela não conhecia o mar, a ouvi contando isso para a moça que estava ao seu lado. Quando entramos no perímetro urbano de Guaratuba, a rodovia passou a beirar a praia e ela olhava com um jeito tão extraordinário para a água que eu mal conseguia desviar o olhar. Aquela cena estava me emocionando profundamente quando, para “estragar” tudo, me veio à lembrança o texto de Hatoum. Quais histórias aquela mulher carregava dentro de si? Será que se eu conhecesse a sua história, aquele olhar curioso me emocionaria?

Não tenho bem certeza de que essa reflexão que aqui faço vai chegar a algum lugar, mas até hoje fico pensando nessas duas perguntas que fiz acima. Fico pensando no que sentiria se visse alguém como Stroessner na minha frente, fraco e debilitado, cabelos brancos e com um jeito de ancião precisando de ajuda. E se fosse ele, sem que eu soubesse, que estava olhando pela janela daquele ônibus? Possivelmente eu sentiria a mesma vontade de levantar e abraçar-lhe, tal como senti com a senhora aquele dia.

Tais situações, vejo eu, são a gota d’água para pensamentos maniqueístas sobre o ser humano. Não somos nem todo bom, nem todo mal; mas como enxergar o ponto bom de Stroessner, Pinochet e Medici? Isso é complicado demais, não tenho conclusões sobre isso, mas tenho pensado muito nesse tema ultimamente.

Um comentário:

Alberto Ferreira disse...

Cara, esse texto me fez pensar bastante, e isso é muito bom, em meio a tantas palavras e idéias prontas (ou copiadas) da blogosfera.
Creio que boa parte do ser humano é composta pelo meio em que está inserido.
Mas como você, também não tenho conclusões sobre o assunto.
(mas continuo pensando)
Um abraço.