Uma tarde na Gerência

Confiro no meu telefone o horário: 10:45h. Desço as escadas e pego o caminho que me levará até a gerência regional de educação. Não tenho muita esperança de voltar logo para casa, sei que vou atrás das aulas que ninguém mais quis. Às 11:15h estou dentro do prédio, sentado e aproveitando do ar condicionado.

- Quem é do cadastro de reserva tem que esperar a senha que será distribuída às 13h.

- A ordem para ser atendido será a senha?

- Sim.

Sentado até faço algumas amizades. Trocamos algumas experiências de desventuras, e assim já é quase uma hora da tarde. Quando cheguei havia apenas quatro pessoas, como esse número já havia aumentado consideravelmente, resolvemos nos organizar para a entrega da senha.

Um pouco antes das 13h a senha chega e, junto dela, alguma informação.

- Quem vai esperar a chamada da prova espera aqui em baixo. Reserva Técnica pega a senha e sobe para esperar no auditório pequeno.

Algumas pessoas tentam burlar a nossa organização para a senha, mas consigo pegar o meu número sem grande esforço: 36! Imaginei que a sorte estava ao meu lado, pelo menos um pouco. Subo as escadas à tempo de escutar:

- Todos mundo tem que esperar lá embaixo – berra a voz irritada - haverá uma comunicação para vocês.

Espera.

Ainda há fila para a senha. Nova ordem para subirmos, a senha seria entregue no auditório grande. Na nova entrega não foi respeitada ordem de chegada e, nesse momento, novamente acreditei na sorte do meu lado afinal eu já tinha meu número garantido.

A senha havia começado no número 31, foi ao 99 e, na seqüencia, voltou ao número 01. Havia pelo menos mais umas três pessoas com a mesma senha que a minha. Cadê a sorte?

- Como vamos organizar esse problema da senha? Tem muita gente com senha igual!!!

- Todos devem ter bom senso!

Agora já são 14h.

Espera e mais espera. Por volta das 15h a senha já está na terceira dezena e muitas pessoas que já tem senha começam a pegar outro número, menor que o primeiro, com um objetivo que para mim não é muito claro.

Mais espera.

Às 18h chega o aviso que a distribuição “lá embaixo” terminou, e começará agora aqui “em cima”! Sentimento de alívio, um pequeno paliativo para o forte calor que fazia dentro da sala lotada.

Espera mais um pouco e a noite chega. Resolvo, junto a uma colega, ir comer algo no Mueller já que minha última refeição havia sido um macarrão instantâneo e dois ovos as 10:30h. Fomos, comemos sem pressa e voltamos. Nada havia mudado.

A essa altura do campeonato chegavam noticias desencotradas.

- Ninguém tá respeitando a senha dentro das salas!

- A senha está sendo utilizada.

- Vamos fazer a seleção por disciplina.

- Não joguem as senhas fora, elas serão utilizadas na chamada.

Pelo menos uma hora depois de terminada a distribuição de aulas “lá embaixo” vem a notícia que não havia mais aulas de Educação Física. Havia uns dez profissionais esperando: frustração, gritos e ameaças.

Às 20:30h eu não tinha mais forças. Não havia aulas de história, mas ainda restava sociologia e filosofia, ter que brigar para provar que tinha umas das primeiras senhas, receber como não-habilitado, dar aulas que eu não deveria dar, vontade de tomar banho, cansaço, fome. Decidi que não iria além das 21h.

- Depois de língua portuguesa não vamos chamar educação especial, história, geografia, sociologia e filosofia. Nessa ordem.

Até agora, cada uma das disciplinas que haviam sido chamadas tinham demorado pelo menos uma hora para serem atendidas. Priscila chegou, resolvi ir para sua casa. Corremos até o estacionamento e, segundos depois de entrarmos no carro cai a forte chuva de ontem.

Não fiz a prova para ACT, não esperava ter pãozinho com patê e caviar para matarmos a fome, mas um pouco mais de organização e respeito com o ser humano era preciso e possível de ocorrer, por que não? Fica a experiência.

Um comentário:

........ disse...

É foda! é um desrespeito e ao mesmo tempo, um reflexo do modo como a figura do professor é desvalorizada, até mesmo em organismos institucionais de educação.
Peguei umas aulinhas a muito custo e quando liguei pra escola pra dizer que havia pegado as aulas e queria saber meu horário e tal, fui atendido aos gritos do outro lado por uma pessoa extremamente mal educada. Quando perguntei quem era, ela disse que era diretora. Fiquei sabendo que o stress todo era porque os alunos estavam a duas semanas com aulas e estavam faltando vários professores. Daí pensei: e o que é que eu tenho com isso pra ser tão destratado?