Conversa de pé de ouvido

Ontem à noite tive uma conversa que foi, sem dúvida, uma das mais difíceis e importantes que já tive. Acho que nunca fui tão achincalhado desde o colégio, quando eu era sempre o bobão da classe, mas com a troca de idéias e com a reflexão que fiz depois, muita coisa pode vir a mudar na minha maneira de agir.
Não ando bem, e quem vive a minha volta percebeu isso muito rapidamente. Durante os meus dias tenho altos e baixos, momentos de euforia e de alegria precedendo algumas horas em que só tenho vontade de jogar tudo pela janela, sair caminhando de volta pra minha casa em Guaratuba e ficar brincando com meus cachorros. Ontem, sentado à mesa de um bar e bebendo água com gás, algumas possíveis respostas foram surgindo.

Ao que tudo indica, sou um machista/possessivo. Analisando e lembrando algumas passagens vividas nos últimos anos de minha vida percebo que, infelizmente, tenho momentos em que essas minhas atitudes idiotas transcendem a minha racionalidade. Agredi (levemente, mas não faz a menor diferença) duas mulheres muito próximas a mim simplesmente porque elas me irritaram. Acredito realmente que isso é um absurdo, não se deve agredir nem verbalmente qualquer ser humano, seja homem e mulher, acredito ser uma atitude grotesca e estúpida, mas eu fiz! Eu nutro um sentimento de posse por amigos, parentes e afins. Por quê?

Busquei fazer uma ponte com outro problema comportamental que eu tinha e que considero controlado: a homofobia. Fui criado em um meio onde o homossexualismo é errado e ponto, não há argumentação! Quando cheguei à graduação em história, eu continuava com esse pensamento, apesar de já ter vivido em um meio acadêmico durante dois anos. Eu tinha 19 anos e ainda acreditava que sentir atração por pessoa do mesmo sexo se tratava de algo doentio, mas, foi tão fácil superar isso para mim que eu fico intrigado em não entender porque o machista/possessivo ainda continua operante em mim. Levantei algumas hipóteses.

Meu amigo Maikon argumentou algo muito plausível. Por estar em um meio, meus amigos em História, que não aceitavam um comportamento preconceituoso eu primeiramente me abstive de comentários e depois comecei a compreender que eu estava equivocado. Faz sentido, mas eu tenho outras explicações que se somam a essa. Eu nunca deixei de me sentir homofóbico, eu nunca deixei de perceber que tenho atitudes estúpidas que eu devo superar. Nunca me vi “curado” desse sentimento, eu na verdade assumi para mim que era um preconceituoso e que, infelizmente, eu talvez vá o ser para o resto da minha vida! Mas isso não quer dizer que aceitei o fato, mas sim que eu vou ter que lutar sempre, dia-a-dia, contra esse meu traço de personalidade. Hoje eu vejo que isso me ajudou muito a estar melhorando nesse aspecto, de estar evitando comentários imbecis e atitudes grotescas com relação a homossexuais. Eu não tive o mesmo processo com meu machismo/“possessivismo”.

Certo dia no passado, eu simplesmente olhei para mim e disse “eu sou um pouco machista e de agora em diante não vou mais ser” e achei que estava tudo resolvido. Ao que tudo indica não estava, justamente pelo contrário, minhas formas de preconceito evoluíram para tentar me enganar, superando em muito a inteligência da minha racionalidade. Não sei por que encarei os dois problemas de maneira diferente, mas o fato foi que não deu resultado!

Eu sou machista. Eu sou possessivo. Tenho problemas com esses sentimentos e, a partir de agora resolvi que vou assumir isso, e aumentar meu campo de luta diário aglutinando essas minhas atitudes também. Não sei se essa é a solução, mas até agora é o que senti de mais claro a minha frente e, eu quero e preciso mudar minhas atitudes. Mas esse texto não termina aqui, pelo contrário, vai muito longe.

Depois de agora assumir que sou um machista/possessivo/homofóbico, eu percebi que tenho mais problemas para colocar naquele campo de batalha: sou fraco! Ainda não consegui refletir tão profundamente para formular hipóteses sobre a causa desse problema, mas o fato é que eu sempre que posso não enfrento os problemas, mas sim busco uma maneira de fugir pela tangente. Hoje cedo eu tinha que ir para o colégio dar continuidade ao meu estágio e não tive coragem. É um problema que eu tenho que enfrentar, não quero dar as aulas para a quinta série e me falta força nesse caso. Sou então um machista/possessivo/homofóbico/fraco. Tem mais.

Deitado no meu quarto, do lado da minha cama, existe uma estante com vários livros e a maioria eu nunca li. Gosto de comprá-los, gosto de tê-los, mas parar para ler e compreender o que ali está escrito eu nunca fiz. Aproveito-me de uma capacidade que tenho de armazenar coisas que escuto, então presto atenção nas discussões que presencio e me aproprio do que ouço para usar nos momentos em que preciso argumentar. Sou aquilo que tenho mais raiva: um intelectual de orelha de livro, e também quero mudar isso. Sou agora um machista/possessivo/homofóbico/fraco/pseudo-intelectual. Mas talvez a grande pergunta é: “porque perceber isso só agora?”

A minha melhor resposta é Estágio Curricular Supervisionado. Essas mesquinharias que eu fazia (faço) eram todas inconscientes, eu não conseguia perceber as coisas desse modo, eu me via como um liberal militante da pluralidade, ativista com formação teórica. Eu me via assim, mas de vez em quando me perguntava se era realmente verdade, ou era só uma aparência, sempre me questionava, contudo sem a força necessária para qualquer mudança. Porém, nesse último ano de faculdade teve a pressão do Estágio, eu estar frente a estudantes e ter uma responsabilidade enorme, não havia mais espaço para ser fraco e, no próximo ano, não haveria mais lugar para um falso estudante como eu. Acabei surtando. Sofri esse colapso e agora tenho em minhas mãos todas as ferramentas para arrumar a minha vida e ser alguém melhor.

Esse texto parece ter um caráter deprimente, mas é justamente o contrário, pois eu estou muito feliz em escrevê-lo. Porém acredito ser necessário reforçar alguns elementos. Quando afirmo que talvez tenha esses problemas para o resto da minha vida, não estou legitimando a famosa e mundialmente conhecida “Síndrome de Gabriela”: “Eu nasci assim/ Eu cresci assim/ E sou mesmo assim/ Vou ser sempre assim/ Gabriela, sempre Gabriela.” Muito pelo contrário, é assumir de vez a responsabilidade de lutar diariamente contra seus defeitos[1] e preconceitos, e não aceitar a reprodução desses costumes. O grande detalhe é que aceitando algo, eu acredito que fica mais fácil o controle, e perceber que não se precisa ser perfeito para ser alguém correto ajuda. É fato que não sou perfeito e que nunca vou conseguir alcançar esse patamar de redenção, e se não aceitar meu limite, a luta por esse objetivo pode se tornar tão frustrante que não consiga sair do lugar. A linha entre o autoconhecimento e a aceitação preguiçosa é muito difícil de enxergar, mas eu acredito que exista.

Poderia escrever por muito mais tempo, mas acredito que já se tornou deveras enfadonho acompanhar esse texto em uma tela de computador. Quero escrever mais sobre isso, espero um dia conseguir, e quero começar outro momento de agora em diante.

[1] Não gostei desse termo, mas não encontrei outro.
Um agradecimento a todos que estão preocupados comigo, em especial aos camaradas Marco e Maikon, protagonistas dessa conversa.

3 comentários:

Anônimo disse...

Não de uma maneira romanciada e sim de plena amizade: "você me ligou naquela tarde vazia"
e é isto que vale a pena. A presença e estar junto é ver erros e acertos, e aquele que não tem erros não pode estar muito certo rs! E só amigos podem mostrar estes erros... ou digo, melhor ser pelos amigos.
Abraço

Alberto Ferreira disse...

Cara, muito raro eu escrever em blogs.

Mas achei muito bom, muito bom mesmo, não falo do texto (está bom também), mas da alma aberta.
Não existem portas que não se abram diante da verdade, crua... de um coração aberto.

Parabéns, penso que felicidade e auto-conhecimento estão intimamente ligados.

Marcelo disse...

Fiquei emocionado por ler este post, e acabo de perceber que quero muito mesmo ter a coragem que tu tivestes diante desse mundo tão cheio de complicações. Sinto-me orgulhoso ter te conhecido, e quero registrar aqui minha consideração pela tua pessoa, lamentando o quanto poderíamos ser amigos e compartilhar idéias... Mas nunca é tarde para isso (espero eu).

Cara, ultimamente tenho percebido o quanto mudaste desde que o conheci, isso me inspira demasiadamente a lutar contra meus fantasmas.

Aquele Abraço!!!