“Eu não sou cachorro, não – Música popular cafona e Ditadura Militar”

Estou lendo esse livro de Paulo César de Araújo. Ele trata de um seguimento musical que ao longo dos anos vem sofrendo muito preconceito no Brasil: a música chamada “cafona”. Tal como ele em seu livro, vou sempre colocar essa palavra entre aspas, pois ela está muito carregada desse preconceito, quase sempre colocada como inferior em relação à chamada MPB.

Em seu início, é definido o que é Musica Popular Brasileira e o que acabou sendo classificado como “cafona”, e para ele essa distinção está extremamente ligada com a questão econômica. Os compositores que pertenciam e pertencem à Classe Média brasileira, que tinham acesso às universidades, foram classificados como MPB. Aos outros, que vinham da camada mais pobre da população (a maioria da população, deve-se ressaltar), e que não tiveram acesso ao nível superior de ensino, restou serem chamados de “bregas” e “cafonas”.

O autor traz também a tona uma outra indagação: porque esses cantores nunca foram apreciados com um estudo aprofundado de suas obras? E porque os estudos sobre musica brasileira sempre o classificaram como “alienados” ou que estavam cooperando com a ditadura? Paulo César de Araújo procura mostrar que esses cantores fazem, na verdade, parte de uma outra história brasileira. Não reduz o mérito de compositores como Chico Buarque e Milton Nascimento, mas mostra que essas pessoas não puderam ter uma ação mais direta socialmente (pelo menos no ato da instituição do AI-5, em 1968), porque muitos estavam trabalhando e precisavam daquele trabalho, daquele salário para sobreviver. É o caso de Odair José, Agnaldo Timóteo e outros da mesma época. Eles viram os acontecimentos do aumento da repressão, a passeata dos Cem Mil, mas não se envolveram, nem sentiram diretamente nada mudar em suas vidas.

No livro fica evidente o fato que os “cafonas” atacavam a Ditadura por outros lados. A grande maioria deles não estava fazendo musicas diretamente políticas, mas discutiam temas cotidianos que iam de encontro ao que o governo militar gostaria que a sociedade brasileira transparecesse. Já de início, eram todos trabalhadores e com histórico de pobreza e trabalho infantil. Depois, quando passaram a ser cantores e compositores, tinham temáticas que não agradavam aos censores. Esse tema é discutido em todo o livro, mas tem seu capitulo especifico no de numero cinco do livro: “Reinado de terror e virtude – Odair José na mira da repressão”.

Ao analisar os períodos de maior repressão política que se seguiram aos processos revolucionários na Inglaterra de 1640, na França de 1789 e na Rússia de 1917, o autor [Crane Brinton] observa que em cada um deles a classe dirigente parece ter desejado impor “na vida aqui na Terra, parte da ordem, disciplina e despreza pelo vícios fáceis que foram os objetivos dos calvinistas”.
(...) Guardadas as especificidades do caso brasileiro, é possível identificar que, no período que se seguiu à decretação do AI-5, as autoridades de nosso país também pareciam imbuídas desta tentativa de implantação de um “reinado de terror e virtude.”[1]

Desse modo, Odair José com suas músicas que passavam por temas como prostituição (Eu vou tirar você desse lugar), primeira relação sexual (com a censurada A primeira noite de um homem, que após insignificantes modificações conseguiu ser lançada com o nome Noite de desejos), uso de drogas (A viagem), também questionaram a ordem vigente e sofreram muito com a repressão. Na mesma linha Agnaldo Timóteo com musicas que tinham como tema o homossexualismo (Galeria do amor, Perdido na noite, Eu pecador), Dom & Ravel que eram do campo e cantaram os problemas de lá com a musica O caminhante, Luiz Ayrão que era o único com curso superior, em duas musicas principais: Meu caro amigo Chico, uma resposta a música Meu caro amigo, de Chico Buarque e a música censurada Treze anos, que após a modificação de seu título para O divórcio, virou sucesso nacional. Poderia citar muitos outros exemplos, sobre muitos outros elementos que a musica cafona atingiu, e que não deixava muito contente a repressão como a temática da divisão injusta de riquezas no Brasil, o feminismo e o divórcio.

Mas toda a argumentação do livro é para, além de mostrar outras histórias do Brasil, questionar porque esses cantores ficaram tanto tempo no esquecimento? Mais uma vez a história foi escrita de uma maneira que lembrasse e beneficiasse apenas uma parcela da população nacional, e “coincidentemente” uma parcela que tinha dinheiro em suas mãos. Pessoas de Classe Média que detinham capital, dominavam a economia brasileira mas que não tinham poder político de decisão. Nossos livros contam como se apenas essas pessoas tiveram que lutar por liberdade nesse país e, muitas vezes os pobres, a classe menos abastada financeiramente da população brasileira até hoje não viu e não sentiu essa liberdade. Parece mais uma repetição de tantos acontecimentos tristes da nossa história.

[1] ARAÚJO, Paulo César. Eu não sou cachorro, não – música popular cafona e Ditadura Militar. 5ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2005. Pg 54/55.

2 comentários:

Maikon K disse...

pow
um feriadao e nenhum post por aqui, tá louco ou vagabundo ?

Anônimo disse...

Excelente comentario!!!!

Detalhe que os cantores tidos cafonas estao morrendo ao relento e hj as musicas nao retratam mais nada!!!!
Simplismente como diz o grande cantor Balthazar sao uns Joao das Couves ... ele nao sabe nadaaaa!!!!!!!!!